sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Pouco investimento e seca histórica explicam falta d'água em São Paulo. Dependência da Grande São Paulo do sistema Cantareira revela as dimensões estruturais do problema, aponta Marcelo Vargas, professor da Ufscar

Uma das maiores estiagens da história, somada a problemas estruturais no sistema de abastecimento de água, atormenta moradores da maior cidade da América do Sul. Mais da metade dos moradores de São Paulo ficou sem água em casa em algum momento do último mês – e, na segunda-feira (20/10), o sistema Cantareira, que abastece a metrópole, baixou para o menor nível de sua história: está com 3,5% da capacidade de armazenamento.
Enquanto paulistanos penam guardando água em baldes e limitam o consumo ao mínimo, buscam entender o que houve.  O doutor em planejamento urbano e professor da Universidade Federal da São Carlos (Ufscar) Marcelo Vargas relaciona os motivos que geraram a crise hídrica em São Paulo e as consequências da escassez d´água.
Quais são as causas do desabastecimento em São Paulo?
A falta de água na Grande São Paulo tem causas conjunturais e estruturais. Em termos conjunturais, o último verão, que normalmente se caracteriza como uma estação de chuvas foi um dos mais secos e quentes da história não apenas na região da capital e seu entorno, mas também em grande parte do sudeste, especialmente em Minas Gerais e no Vale do Piracicaba, de onde vem a maior parte da água que abastece a região metropolitana, através do Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de quase metade da população da metrópole.
Essa estiagem severa permaneceu nos meses seguintes, quando há naturalmente menos chuvas na região. Com pouca chuva e maior consumo, devido ao calor, os rios e represas que abastecem o Sistema Cantareira caíram ao menor nível já registrado desde 1930.
E em termos estruturais?
A própria dependência da Grande São Paulo do sistema Cantareira revela as dimensões estruturais do problema. São Paulo é uma metrópole mal localizada: a maior parte dos seus quase 20 milhões de habitantes mora na região de cabeceiras do rio Tietê, na bacia hidrográfica do Alto Tietê, onde o rio tem menos água do que no seu curso. Assim, a disponibilidade de água per capita desta bacia é de apenas 200 m³ por ano por pessoa.
De acordo com a ONU, uma região enfrenta uma situação de estresse hídrico quando apresenta uma disponibilidade de água anual inferior a 1.700 m³ per capita. Abaixo de 1.000 m³ por pessoa por ano já caracteriza uma situação de grave escassez. Para complicar, há 5 milhões de pessoas na bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que também dependem das águas represadas no sistema Cantareira.
Quais são as consequências para a população?
As consequências são a falta d'agua para as atividades domésticas e comerciais de muitos estabelecimentos durante horas ou mesmo dias seguidos, sobretudo nas regiões mais altas e afastadas dos centros onde se faz a reserva, o que pode gerar desconforto, problemas econômicos e de saúde.
O que poderia ter sido feito, em âmbito estadual, para que a situação não chegasse a esse ponto?
A Sabesp deveria ter investido em novos sistemas de produção de água potável que captassem água de outros mananciais regionais, para diminuir sua dependência do Sistema Cantareira, como estava previsto desde 2004, quando foi renovada a licença federal que a companhia estadual de saneamento obteve em 1974 para construir e operar o sistema, que lhe permite retirar até 31m³ por segundo da bacia do Piracicaba. Essa foi uma das condições para a renovação da licença, concedida pela Agência Nacional de Águas (ANA), cuja validade se encerrava em agosto deste ano.
Porém, com a crise provocada pela grave estiagem deste ano, as negociações para a renovação desta licença foram suspensas, e a outorga dos diretos de uso desta água (o nome técnico desta licença) obtida pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) em 2004 foi provisoriamente renovada por mais um ano. A Sabesp e outros órgãos estaduais fizeram diversos estudos de diferentes alternativas, mas há apenas um sistema produtor de água potável sendo construído, o Sistema São Lourenço, que capta água no Vale do Ribeira (sul de SP), cujas obras estão atrasadas e só devem ser concluídas em 2016.
Em âmbito nacional, alguma medida poderia ter diminuído o problema?
Os rios e represas que abastecem o Sistema Cantareira são águas de domínio da União, pois banham mais de um Estado, uma vez que as nascentes destes rios estão em território mineiro. Isso faz com que a Sabesp, companhia de saneamento básico do Estado de São Paulo, dependa de autorização federal para captar e "exportar" estas águas para a região metropolitana da capital.
A Agência Nacional de Águas tem se articulado com os comitês de bacia hidrográfica do Alto Tietê e do Piracicaba, com a Sabesp e o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de SP (DAEE) para administrar essa crise. Mas não caberia à Agência Nacional de Águas, creio intervir no planejamento da Sabesp e dos órgãos estaduais.
E para afastar as chances de este problema voltar, no futuro, o que deve ser feito?
Não creio que haja apenas uma linha de ação a ser tomada, mas várias. Certamente será preciso investir em novos sistemas de produção de água que busquem mananciais alternativos no vale do Paraíba, na Baixada Santista e noutras regiões vizinhas da metrópole, como preveem diversos estudos. Também é necessário interligar estes sistemas, para que haja mais flexibilidade na transposição de águas de reservatórios mais cheios para os mais vazios.

Será preciso ainda educar a população e as empresas para racionalizar o uso da água, com multas ou tarifas mais altas durante períodos de escassez, educação ambiental e uso de equipamentos mais eficientes, que evitem desperdícios. Também é preciso aumentar a eficiência operacional da Sabesp, que ainda apresenta índices elevados de perdas (cerca de 20% da água produzida se perde em vazamentos), além de investir em tecnologias de reutilização da água.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Uso de charges políticas no Enem

Neste texto são oferecidas algumas dicas sobre o uso de charges políticas no Enem, além da análise de uma questão de 2012.

As charges, ou cartuns, aparecem com frequência nas provas de Ciências Humanas do Enem
Algumas dicas referentes ao uso de charges políticas no Enem, bem como a análise de uma questão do Enem de 2012 exatamente sobre esse tema. 
O Enem, assim como outros processos seletivos e vestibulares, não elabora suas questões usando apenas textos como ponto de partida. Geralmente, há o emprego de outras linguagens, como a fotografia, a pintura, os mapas e os gráficos. Pois bem, a charge, com certa frequência, também figura entre essas linguagens utilizadas no Enem. Por isso é necessário compreender o que é a charge e como ela consegue transmitir ideias e opiniões de forma diferente de um texto escrito. 
O termo charge vem do francês e significa “carga”, no sentido de concentração de algo ou alguma coisa. Na língua inglesa, a palavra que designa esse tipo de desenho é cartoon (ou cartum, como normalmente é escrita em português), que significa esboço, desenho esboçado, entre outros. Sendo assim, o desenho da charge (ou cartum) geralmente concentra uma crítica moral, política ou cultural em sua estrutura. O chargista (desenhista profissional), portanto, procura sintetizar uma ideia em seu desenho. Às vezes o desenho da charge pode estar acompanhado de uma mensagem escrita, que objetiva reforçar a crítica, mas isso não é regra geral. O humor, a sátira e a ironia dão a tônica da charge. Sob o aspecto cômico reside a crítica. 
O desenho da charge, desde o século XIX, tem como espaço de desenvolvimento a imprensa, ou seja, jornais e revistas, e funciona como um complemento às colunas de opinião desses veículos de informação. Do mesmo modo que uma crônica ou uma coluna podem valer-se da ironia para criticar algo, a charge também o faz através da linguagem do desenho. As variações do desenho da charge são, de forma geral, a tira (ou tirinha), que divide os desenhos e quadros de ação, como em uma história em quadrinhos bem curta, e a caricatura, que exagera alguns aspectos da personalidade satirizada.
No Brasil, um dos primeiros chargistas a ter destaque foi o italiano Angelo Agostini (1843-1910), que ridicularizou grandes personalidades políticas brasileiras, como Dom Pedro II. No século XX, especialmente a partir dos anos 1960, a charge ganhou o gosto popular, e alguns chargistas tornaram-se muito conhecidos, como aqueles que trabalharam na Revista O Cruzeiro e no jornal O Pasquim, como Jaguar, Fortuna, Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, Claudius, entre outros.  
Nos vestibulares e no Enem, o uso da charge objetiva explorar algum aspecto de crítica de cunho social e político. Sendo assim, a charge política, com viés tipicamente político, está mais amplamente presente nas provas. É o caso da prova da área de Ciências Humanas e suas Tecnologias do Enem de 2012. Abaixo vocês podem conferir a questão de número 08, do caderno azul, número 1. A alternativa correta está marcada na cor verde:

Questão do Enem de 2012 que fez uso de uma charge
Reparem que a questão está estruturada a partir de uma charge, ou cartum, de 1932, referente ao líder indiano Mahatma Gandhi. A questão exige que o candidato assinale a alternativa que corresponde àquilo que a charge demonstra com relação ao contexto das prisões de Gandhi na Índia. Observando bem a imagem, percebe-se a figura de Mahatma Gandhi atrás das grades e, diante dele, um guarda com uma chave prestes a abrir o cadeado que prende o líder, pressionado que está por uma multidão de “outros Gandhis”. As prisões de Gandhi ocorreram em virtude de seus protestos pela independência da Índia na primeira metade do século XX. A única alternativa que corresponde à leitura exata da charge é a letra D, que está correta. 
Dessa forma, é importante prestar muita atenção na forma como o desenho está organizado, pois é nessa forma que reside a mensagem do chargista. Não importa o contexto histórico abordado, o cartum ou a charge sempre terão que ser bem interpretados para não se esbarrar em ambiguidades que impeçam um bom desempenho na prova.