São três rochedos e
cinco ilhotas. A maior delas é menor que a Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro,
ou que a quarta parte de Fernando de Noronha. Anexadas pelo Japão em 1895,
foram ocupadas em 1900 por uma fábrica de processamento de pescado. Quando esta
fechou, em 1940, ficaram completamente desabitadas. Consideradas uma
dependência de Okinawa (sede do antigo reino de Ryukyu, tributário da China até
ser anexado pelo Japão em 1879), foram incluídas na ocupação dessa ilha pelos
EUA do fim da II Guerra Mundial a 1972, embora continuassem a pertencer, como
propriedade privada, à família dos antigos donos da fábrica.
Quando os EUA
devolveram Okinawa ao Japão, tanto o governo da República da China, em Taiwan,
quanto o governo da República Popular da China, em Pequim, reivindicaram a
soberania sobre as Diaoyu ou Senkaku. Entretanto, em 2002 o governo japonês
arrendou as ilhas aos sucessores dos proprietários originais. Em julho de 2012,
anunciou a intenção de comprá-las – sinal de intenção de ocupá-las de fato e
explorar seus recursos – e isso provocou os primeiros protestos formais da
China. Em 15 de agosto, ativistas chineses vindos de Hong Kong tentaram desembarcar
nas ilhas e foram presos e deportados pelo Japão, o que uma primeira onda de
protestos oficiais e manifestações populares na China (principalmente Shenzhen)
e também protestos, mais discretos, do governo de Taiwan. Em 11 de setembro de
2012 Tóquio consumou a compra por 2 bilhões de ienes (26 milhões de dólares) e
com isso desencadeou a segunda onda de protestos, muito maior e mais séria.
A reivindicação da
China e Taiwan sobre essas ilhas é historicamente menos consistente que a
reivindicação argentina das Malvinas ou a espanhola de Gibraltar. Foram
conhecidas e mapeadas pelos chineses desde o século XV, pelo menos, mas nunca
tinham sido formalmente anexadas ou ocupadas antes que o Japão o fizesse. O
argumento chinês é que, apesar de as ilhas estarem só um pouco mais próximas de
Taiwan do que de Okinawa, estão do seu lado da “Calha de Okinawa”, depressão
que separa a plataforma continental chinesa da japonesa, segundo Pequim, ou
apenas corre no meio da plataforma continental asiática, segundo Tóquio. Questão
que não é apenas semântica.
De acordo com a
Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, todo país tem direito a uma Zona de
Exploração Econômica Exclusiva do mar em um raio de 200 milhas de qualquer ilha
sua, por pequena que seja, que tenha ocupação humana permanente, assim como
sobre todos os recursos na superfície ou subsolo de sua plataforma continental.
Quando as zonas ou plataformas de dois países se sobrepõem, devem ser
divididas, em princípio de forma a que cada porção de mar ou plataforma
pertença ao que possua territórios mais próximos.
Isso significa que, de
acordo com o argumento chinês, as Diaoyu e todo o leito do Mar da China
Setentrional a oeste da calha lhe pertencem, enquanto para os japoneses, as
Senkaku são suas e lhe darão direito a 200 milhas de mar territorial e um naco
de plataforma continental maior que Taiwan quando forem permanentemente
ocupadas. As ilhas em si têm pouco valor, mas os recursos pesqueiros dessas
águas e os minerais da plataforma – principalmente gás natural – são muito
significativos. Seu povoamento pelo Japão fecharia as portas à negociação ou
partilha desses recursos.
Tanto a China quanto o
Japão são potências industriais famintas por matérias-primas e ainda mais por
energia, mas isso, por si só, justificaria arriscar não só um intercâmbio
comercial de 343 bilhões de dólares anuais (em 2011) como um confronto militar?
A receita do maior campo de gás do mundo (Pars do Sul, no Irã) não chega a 50
bilhões anuais.
Ainda que Pequim esteja
reprimindo os excessos, pode ter interesse em criar um desafio externo para
forçar a união de suas elites políticas e desviar energias populares de
protestos contra o descontentamento social e político interno, como fizeram os
militares argentinos ao invadir as ilhas Malvinas. As manifestações parecem ser
basicamente espontâneas e movidas pelo ressentimento histórico pelos abusos
japoneses durante a II Guerra Mundial, mas certamente são afetados pela maneira
como o governo de Pequim apresenta a disputa na mídia estatal. Pode ser
sintomático que em Shenzhen, uma manifestação por ação militar contra o Japão
foi inicialmente dirigida contra a sede local do Partido Comunista e só depois
de reprimida pela polícia se desviou para uma loja de departamentos japonesa.
Este é um ano tenso
para Pequim, tanto pelas dificuldades da transição de uma economia de
exportação e mão-de-obra intensiva para uma de capital mais intensivo e voltada
para o mercado interno, que implica desemprego, redistribuição de renda e
recursos e redução da taxa de crescimento, quanto pela iminente transição política
do governo de Hu Jintao para o de Xi Jinping, que implicou a neutralização da
importante e popular facção “neomaoísta” de Bo Xilai e dividiu o Partido
Comunista e as Forças Armadas. No dia 19, a primeira aparição de Xi Jinping
após semanas de sumiço que despertaram boatos sobre sua saúde, foi para receber
o secretário da Defesa dos EUA, Leon Panetta e afirmar que a compra das ilhas
pelo Japão é “uma farsa”. Panetta, por sua vez, declarou os EUA neutros nesse
conflito.
E também o Japão pode
ter interesse nesse tipo de mobilização patriótica. Além de herdar o mal-estar
de três décadas de endividamento público, estagnação e frustrações econômicas,
o governo do primeiro-ministro Yoshihiko Noda lida também com as consequências
do tsunami de 2011 e do desastre de Fukushima, que abalaram a economia e
expuseram ao público a cumplicidade do governo com o encobrimento das
deficiências das empresas privadas de energia e suas centrais nucleares. Sua
popularidade caiu abaixo de 20% depois de aumentar impostos de consumo e
reativar usinas nucleares e agitar o fantasma de uma ameaça externa também lhe
vem a calhar.
Além da disputa com a
China, o Japão tem também outras com a Coreia do Sul pelas ilhas Takeshima
(Dokodo para os coreanos) e com a Rússia pelas ilhas Kurilas (Chishima para os
japoneses). A China, por sua vez, disputa também, no Mar da China Meridional,
250 ilhotas e recifes que são ainda menores que as do litígio com o Japão, mas
representam direitos sobre uma extensão marítima tão grande quanto toda a Indochina
e são disputadas não só por China e Taiwan, como também pelas Filipinas,
Vietnã, Malásia e Brunei.
Dada a demanda de
recursos naturais e a rivalidade cada vez maior entre a China e os EUA,
envolvendo seus aliados e simpatizantes, é praticamente inevitável que o
Pacífico e suas ilhas se tornem foco de um dos principais confrontos
geopolíticos do século XXI. A conjuntura política e econômica da China e Japão
tende a antecipá-lo para um momento em que a economia mundial está
particularmente fragilizada, com o risco de criar o caos econômico na Ásia
Oriental, hoje uma das regiões economicamente mais importantes do mundo e a
única que ainda apresenta um dinamismo apreciável. Um sério rompimento com
sanções mútuas pode resultar em mais uma década ou duas de estagnação para o
Japão e problemas maiores para a transição chinesa, sem falar no risco de que
os blefes e manifestações saiam do controle e levem a uma guerra real, com o
possível envolvimento dos EUA e Rússia.