Em
meio à disputa entre Liberais e Conservadores, à esquerda restou a resistência
armada. Assim nasceram as guerrilhas colombianas, fruto de uma política
construída por e para as elites que sufocou a oposição até a morte,
literalmente. A pesquisadora Carolina Ramos, especialista em Colômbia,
investigou o período da Frente Nacional (1958 – 1974) e conta o longo caminho
desde o nascimento da guerrilha até a implementação do acordo de paz,
conquistado em 2016.
A
Frente Nacional foi um governo de coalizão entre os Liberais e os Conservadores
onde não havia espaço para outros partidos políticos disputarem, apesar de
acontecer eleições regularmente a cada quatro anos. Neste período se
intensificou a perseguição aos movimentos sociais e à oposição. A resposta foi
a organização através das armas, com um programa revolucionário, assim nasceram
as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo), a ELN
(Exército de Libertação Nacional) e outras guerrilhas com menor expressão.
Para
a autora do livro “A Frente Nacional na Colômbia (1958-1971): A Ditadura
Democrática das Classes Dominantes”, a guerrilha foi “a única reforma possível
diante de um governo extremamente fechado à oposição que não dava nenhuma
oportunidade de atuação legal institucional. Um governo que reprimia os
movimentos sociais assassinando mesmo os líderes políticos”. Mas para entender
a Frente Nacional, é preciso voltar alguns anos na história, para o chamado
“Período da Violência”: a disputa irracional entre os dois principais partidos
levou o país a um regime militar, que durou apenas três anos e foi substituído
pelo acordo de coalizão.
“A
Frente Nacional vem como uma solução momentânea para tentar controlar a
violência que resultou do assassinato do [Jorge Eliécer] Gaitán. Ele era um
líder popular, na época que foi assassinado era dirigente do Partido Liberal e
um forte candidato à presidência”. Conhecido como uma figura progressista, que
atuava principalmente em defesa dos camponeses, o liberal foi assassinado
durante a conferência de criação da Organização dos Estados Americanos (OEA),
na Colômbia. Apesar da grande repercussão, o caso não foi completamente
esclarecido até hoje.
Este
episódio foi o estopim para acirrar a disputa polarizada e a violência cresceu
principalmente no campo. Neste momento surgem as primeiras experiências
guerrilheiras, de orientação liberal. No entanto, já havia também organizações
armadas ligadas ao Partido Comunista e outros setores da esquerda. Quando o
governo propõe a deposição das armas nem todos concordam e começa um segundo
período de violência: a perseguição dos liberais – financiados pelo Estado –
aos comunistas. É neste momento que se impulsiona o debate para a criação de
uma coalizão, a Frente Nacional, que teoricamente teria força política para
conter o conflito e estabelecer a paz no campo.
“Esse
período de coalizão tem o objetivo de reestabelecer a democracia depois do
regime militar, mas já começa sob Estado de sítio. Além disso, o Partido
Comunista não podia concorrer às eleições, mas tinha eleições a cada 4 anos
para dar uma cara democrática. Na Colômbia isso também significa uma violência
contra os movimentos populares, uma violência física mesmo, de extermínio.
Neste período aconteceram vários assassinatos seletivos de líderes populares e
camponeses”.
A
pesquisadora considera este um dos períodos mais marcantes de violência porque
o Estado, além de não dar espaço para a oposição agir institucionalmente, foi
“buscar” os guerrilheiros refugiados na selva para exterminar qualquer foco
que, na mentalidade da elite colombiana, representasse uma “ameaça”. Isso
aconteceu logo após a Revolução Cubana, em 1959, quando pairou sobre a América
Latina o “fantasma” de organizações camponesas tomarem o poder. É exatamente
neste momento que nascem as Farc.
“O
governo identifica um foco guerrilheiro e considera que representava ‘perigo’.
Assim é firmado um acordo com os Estados Unidos para combater estes camponeses
que viviam em uma espécie de comuna agrária”, explica Carolina. No entanto, o
plano foi descoberto pelo Partido Comunista que conseguiu avisar os camponeses
antes do ataque. Eles organizaram uma estratégia de defesa e evacuaram a área.
Apenas 44 homens e mulheres “combateram” 16 mil soldados colombianos e
estadunidenses usando como principal arma o conhecimento que tinham da selva.
Logo após este episódio os camponeses sentem a necessidade de se organizar para
defender a própria vida e garantir meios de desenvolver a agricultura, assim
fazem uma pequena conferência e fundam as Farc já com um programa
revolucionário.
Carolina
não titubeia ao afirmar: “muitos camponeses não tinham outra forma de defender
a própria vida, entrar nas Farc nunca foi uma opção, é uma necessidade de
auto-defesa”. Estes pequenos agricultores, normalmente pobres e vulneráveis,
desbravaram a selva colombiana e expandiram as fronteiras agrícolas. O Estado,
com o braço armado do paramilitarismo, perseguiu e deslocou milhões de pessoas,
é nesse ponto que a guerrilha conquista a simpatia popular, coube a ela ser o
escudo destes trabalhadores do campo.
As
milícias paramilitares, criadas lá no início dos anos 60, só passaram a ser
vistas como uma questão a ser combatida em meados dos 80. Na sua fundação,
oficial e institucionalizada, cabia aos comandantes militares locais montar uma
organização não militar paralela que deveria ser financiada pelos “notáveis do
local”. Os “notáveis” eram, ora empresários do ramo do agronegócio, ora
narcotraficantes e, obviamente, o paramilitar passa a obedecer ordens não só do
Estado, mas também de quem o financia. Por isso a perseguição aos trabalhadores
do campo foi tão intensa.
O
acordo de paz
Passaram
mais de 50 anos desde o começo desta guerra. Só em 2016 o governo e as Farc
conquistaram um acordo capaz de estabelecer a paz, depois de mais de quatro
anos de negociações intensas. Agora o documento está em fase de implementação,
a guerrilha abandonou as armas e passa pelo período de transição para integrar
a vida civil. Mesmo em fase avançada do fim do conflito, Carolina tem receio de
como o processo pode se desenvolver após as eleições presidenciais que
acontecem em maio de 2018 se até lá os cinco principais pontos do acordo não
forem implementados.
“Eu
vejo o acordo de paz com muita esperança porque o governo reconhecer a
guerrilha como ator político e partir para uma mesa de diálogo é muito
importante. O que eu acho perigoso é o cenário de 2018. E se vence um Uribe? O
que acontece com os acordos de paz?”, questiona a pesquisadora. O ex-presidente
Álvaro Uribe, possível candidato, já deixou claro em dezenas de pronunciamentos
públicos que não tem absolutamente nenhum interesse em manter o acordo.
Além
do acordo com as Farc, o governo também está em fase de negociação com o ELN.
Todo o processo foi selado por observadores internacionais, entre eles a ONU e
chefes de Estado. É um mecanismo sólido e legítimo que pode ser colocado a
perder se a irresponsabilidade da extrema-direita triunfar nas urnas.
No
entanto, enquanto o acordo era negociado, a violência contra os dirigentes
progressistas não foi contida. De 2012 até 2016, quando aconteciam as mesas de
dálogo, foram assassinados 140 líderes, destes, 120 só no último ano. Para
Carolina, este cenário mostra a força de Uribe. As Farc passam a ser
reconhecidas como ator político, “mas o período da Frente Nacional não
terminou. Acabou o contrato, mas continua a mesma estrutura. São os mesmos
partidos tradicionais no poder, as mesmas oligarquias. Essa violência do Estado
contra os movimentos sociais, principalmente na época do Uribe… a direita na
Colômbia é extremamente violenta mesmo. A gente sabe o poder que o Uribe tem e
ele não quer acordo com nenhuma guerrilha. A política dele é de sangue e fogo”.
Ainda
assim, Carolina prefere ter esperança porque, por mais força que a direita
tenha, o processo de diálogo serviu para desmistificar a imagem da guerrilha e
isso já foi um avanço importante. Em meio a uma conjuntura mundial que cada vez
mais pende para o caminho da guerra, a Colômbia dá um exemplo de como se
conquista a paz.
CARTA MAIOR