Uma lista de conhecidos
obstáculos entravam a solução da chamada Questão Palestina: a definição das
fronteiras entre Israel e um futuro Estado palestino, o estatuto político da
cidade de Jerusalém, o espinhoso tema dos refugiados palestinos e o destino dos
assentamentos de colonos judeus na Cisjordânia. Todavia, negligencia-se a
importância das divergências sobre o controle de um recurso natural escasso,
que são as águas superficiais e subterrâneas de Israel/Palestina.
A Palestina é a região histórico-geográfica que engloba o Estado de Israel e os
territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. No conjunto da região, ao longo
das últimas décadas, a escassez natural do chamado “ouro azul” tornou-se mais
dramática com o crescimento acelerado da população e o consequente incremento
da pressão sobre os recursos hídricos.
Praticamente toda a porção meridional da Palestina apresenta climas áridos e
semiáridos, e os principais recursos hídricos superficiais são representados
pela bacia do Rio Jordão, curso fluvial que tem suas nascentes em território
sírio, nas estratégicas Colinas de Golã, área onde convergem as fronteiras de
Israel, Síria e Líbano.
Com apenas 251 quilômetros de extensão e uma
largura máxima de 30 metros, o Jordão tem sentido geral norte-sul e serve como
suporte para um importante trecho da fronteira entre Israel e Jordânia. A bacia
do Jordão cobre cerca de um terço da superfície da Cisjordânia. Em seu médio e
baixo vale, o rio flui sobre terrenos cujas cotas altimétricas estão abaixo do
nível geral dos mares, como é o caso de sua foz no Mar Morto, a maior depressão
absoluta do mundo. (veja o mapa 1).
Essa peculiaridade do Jordão se
explica pelo fato de ele fazer parte do segmento setentrional do grande Vale do
Rift. Formado cerca de 35 milhões de anos atrás, como decorrência da separação
das placas Africana e Arábica, o Rift é um complexo de falhas tectônicas que se
estende por mais de 5 mil quilômetros entre a Ásia Ocidental e a África
Oriental.
O Jordão é um rio de pequeno débito fluvial. As maiores precipitações ocorrem
no alto vale, mas não chegam a mil milímetros anuais. Ao longo de seu trajeto,
dois locais chamam a atenção: o Mar da Galileia, ou Lago Tiberíades, e o Mar
Morto. Atravessado e alimentado pelas águas do Jordão, o Mar da Galileia e suas
circunvizinhanças foram, na Antiguidade, cenários bíblicos ligados à vida de
Jesus.
De um ponto de vista geopolítico,
o Mar da Galileia têm importância vital para Israel, pois de lá é retirada a
água que, através do Aqueduto Nacional, abastece grande parte do país. A
contínua e volumosa retirada de água, que se verifica desde a década de 1950,
tem contribuído para a diminuição do caudal do Jordão a jusante, afetando áreas
da Jordânia, da Cisjordânia e do Mar Morto.
Este mar fechado se destaca por
sua grande salinidade, cerca de dez vezes maior que a encontrada nos oceanos.
Fruto de uma conturbada história geológica, o mar é abastecido essencialmente
pelas águas do Rio Jordão. Até a década de 1950, o fluxo de água que alimentava
o Mar Morto se equiparava à taxa de evaporação, mantendo estável o nível das
águas. O uso crescente dos recursos hídricos da bacia por Israel – e, em escala
bem menor, pela Jordânia e Síria – reduziram drasticamente o fluxo de água do
rio que chegava ao Mar Morto.
Juntando-se a isso a poluição e os efeitos de atividades industriais (extração
de sal e fosfatos) e turísticas, o mar perdeu cerca de 30% de sua superfície
original. Em 1960, o nível da superfície do mar encontrava-se 395 metros abaixo
do nível dos mares; hoje, está a 425 metros, e experimentando rebaixamento de
um metro por ano.
Em 2005, Israel, Jordânia e a
Autoridade Nacional Palestina formalizaram um acordo de construção de um duto
para transferir água do Mar Vermelho, a fim de evitar o total ressecamento do
Mar Morto. O projeto, até agora, não evoluiu. Ambientalistas alertam que ele
alteraria a química peculiar do mar e sugerem que o ideal seria recuperar as
águas do Jordão.
O volume de água renovável da bacia é de aproximadamente 2,4 bilhões de metros
cúbicos; sua utilização crescente já atinge a marca de 3 bilhões. Para suprir esse
déficit, a saída tem sido retirar água de lençóis freáticos, que não têm
capacidade de reposição na mesma velocidade da retirada. As formas de obtenção
de água por meios industriais, como a reciclagem e a dessalinização, são caras
e insuficientes.
A exploração dos recursos
hídricos regionais representa mais um fator nas complexas disputas sobre
algumas áreas da bacia, como as Colinas de Golã e a Cisjordânia, territórios
ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias (veja o box). No imaginário
israelense, a água tem uma dimensão “filosófica”, ligada à ideia do deserto que
floresce e que remonta aos primeiros imigrantes na Palestina, no final do
século XIX. Israel enxerga as águas do Jordão sob o prisma da segurança
nacional e isso representa um enorme obstáculo para a eventual devolução das
Colinas de Golã à Síria e da Cisjordânia aos palestinos.
O tesouro subterrâneo da
Cisjordânia
As montanhas da Cisjordânia não
são muito altas, mas por sua disposição no sentido geral norte-sul, dividem a
região em duas áreas pluviométricas. A parte oeste é mais úmida, e a porção
oriental, mais seca. São três os principais aquíferos da região: o ocidental, o
do norte e o oriental (veja o mapa 2).
No aquífero ocidental, as águas
escoam em direção oeste e são alimentadas por chuvas. Essa região concentra
cerca de 90% do volume pluviométrico da Cisjordânia. O aquífero tem uma série
de poços que estão do outro lado da linha verde, isto é, da fronteira
israelense definida pela ONU após a guerra de 1948-49. Israel tem o controle
sobre 80% desses recursos.
Na área do aquífero do norte, existem também poços localizados do outro lado da
linha verde, o que permite a Israel captar cerca de 70% do suprimento de água.
O aquífero oriental é o de menor volume de água e não participa do
abastecimento de água de Israel, mas tem servido para suprir os assentamentos
de colonos israelenses que, desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, vêm se
expandindo nessa porção da região. Em linhas gerais, Israel tem sob seu
controle cerca de 80% dos recursos hídricos da Cisjordânia.
A construção por Israel do muro
de segurança na Cisjordânia, a partir de 2002, assestou um golpe complementar
na soberania hidráulica dos palestinos. O traçado do muro separou territórios sob
administração da Autoridade Nacional Palestina de poços que eram, há muito,
utilizados pela população palestina. Hoje, essa população depende da boa
vontade das autoridades israelenses para o uso dos antigos poços.