O dia 17 de dezembro de
2014, os Estados Unidos da América (EUA) e Cuba tornaram públicas suas
intenções de reaproximação diplomática. O anúncio desse começo de abertura de
relações políticas entre os dois países veio acompanhado de negociações para
libertação do americano Alan Gross, em Cuba, bem como a libertação de três
cubanos na Flórida (EUA), acusados de espionagem. Tanto o líder cubano, Raúl
Castro, como o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, discursaram sobre o
fato da libertação desses indivíduos e assinalaram a perspectiva de uma nova
fase entre os dois países.
Esse acontecimento tem
uma relevância notória (e, por isso mesmo, vem sendo amplamente noticiado na
imprensa internacional) exatamente por terem sido publicamente declaradas as
intenções de reaproximação. Contudo, a história da relação entre Cuba e EUA, desde
os anos 1960 até agora, é marcada por várias contradições, tanto de um lado
quanto de outro. As contradições começam logo com as investidas revolucionárias
do grupo liderado por Fidel Castro, na década de 1950, contra o governo de
Fulgêncio Baptista. Há já um longo debate historiográfico que esmiúça, nesse
contexto, a participação dos EUA tanto em apoio às forças de Baptista quanto em
eventuais auxílios aos guerrilheiros.
Ademais, no contexto da
Guerra Fria, a Revolução Cubana só representou, de fato, um ícone do comunismo
na América Latina quando começou a estreitar relações com a União Soviética no
início dos anos de 1960. Até 1959, quando os revolucionários ocuparam Havana e
empossaram Manuel Urrutia Lléo presidente — um advogado com tendências ideológicas
liberais —, os rumos de uma “Cuba comunista” e de uma “luta contra o
imperialismo Ianque” ainda não haviam sido plenamente traçados. Essa
perspectiva só se definiu quando os irmãos Castro assumiram de fato o controle
da ilha, tanto político quanto econômico e militarmente, optando pelo apoio ao
bloco soviético.
Essa opção de Cuba
implicava, naturalmente, rechaçar a estrutura econômica americana que havia na
ilha há décadas. As “plantations” e os demais investimentos americanos em Cuba
foram desapropriados ou expropriados pelo Estado comandado pelos Castro. A
institucionalização de uma burocracia gerenciadora do país, estatizante e
profundamente dependente da URSS, valendo-se da retórica revolucionária
socialista, provocou a reação do bloco ocidental, sobretudo dos EUA, que, a
partir de 1961, romperam relações diplomáticas com Cuba após o episódio da
invasão da Baía dos Porcos. O momento mais crítico e tenso da Guerra Fria no
que se refere à relação EUA-Cuba foi o da Crise dos Mísseis, que pode ser consultado
neste link.
Com a queda do bloco
soviético em 1989 e as reformas estruturais na Rússia e nos demais países, as
relações entre Estados Unidos e Cuba passaram a tomar outro rumo. Cuba foi
submetida à pressão de embargos econômicos na forma de duas leis principais: A
Lei Torricelli, de 1992, e a Lei Helms-Burton, de 1996. Essas leis dificultavam
a articulação econômica de empresas que tinham ou queriam estabelecer negócios
em Cuba, já que esse país não contava mais com o auxílio soviético. Além disso,
há ainda a posição dos emigrados cubanos que vivem nos EUA. Essa comunidade
cubano-americana possui opiniões bastantes diversas e contundentes com relação
aos embargos. Enquanto uns apoiam o seu fim, outros defendem a sua manutenção
como forma de pressão para a ruína do regime instalado pelos Castro.
A partir dos anos 2000,
houve uma maior flexibilidade com relação às parcerias econômicas entre Cuba e
diversos outros países, incluindo o Brasil e os EUA. Recentemente, o
financiamento do Porto de Mariel em Cuba pelo governo brasileiro repercutiu
enormemente, sobretudo por conta de acusações em torno da obscuridade na
prestação de contas de tal empreendimento. Mas o fato é que Cuba tem buscado
manter-se “de pé” politicamente, segurando a moldura de um regime autoritário,
ao mesmo tempo em que se articula economicamente como pode e com quem pode. A
renúncia de Fidel Castro trouxe mais uma reviravolta a esse cenário, e seu
irmão, que sempre foi considerado mais radical e mais ligado ao núcleo duro das
Forças Armadas cubanas, vem demostrando, contraditoriamente, essa perspectiva
de abertura. Essa postura talvez seja influenciada por uma articulação política
que leva em conta a idade avançada tanto de Fidel quanto do próprio Raúl Castro
e dos demais membros da elite dirigente de Cuba. O regime precisará ser
reformado nos próximos anos; e ao que tudo indica, Raúl Castro deve estar
preparando uma nova elite para isso, como acentua o pesquisador Maurício
Santoro, no trecho a seguir:
“Expectativas moderadas
e uma clara noção dos limites do possível podem levar à melhoria expressiva das
relações entre Estados Unidos e Cuba, abrindo possibilidades positivas para o
futuro imprevisível após a morte dos irmãos Castro. A ausência de uma figura
pública com legitimidade comparável à dos líderes revolucionários pode criar um
perigoso vácuo político, com o risco de disputas violentas pelo poder. Nesse
contexto, faz sentido que Washington aposte na construção de vínculos de
confiança com altos funcionários do governo cubano, nas esferas diplomática,
militar e econômica, que seriam de grande valia num cenário turbulento como
esse.” (SANTORO, Maurício. Cuba após a Guerra Fria: mudanças econômicas, nova
agenda diplomática e o limitado diálogo com os EUA. Rev. bras. polít. int., Brasília,
v. 53, n. 1, July, 2010. p. 138)
Ademais, é preciso
ficar atento à situação atual de Cuba, às principais reivindicações da
população cubana, aos motivos de haver tanta evasão do país e ao interesse que
a comunidade econômica internacional, incluindo o Brasil, tem na ilha.
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