sábado, 4 de agosto de 2012

Trabalho escravo se espalha para a periferia de São Paulo


Bairros pobres, longe de fiscalização, abrigam oficinas onde estrangeiros têm jornada de até 18 horas/dia. Para fugir da fiscalização, oficinas de costura onde bolivianos trabalham até 18 horas por dia em troca de um salário de fome se espalharam pela periferia da capital, não ficando apenas no Bom Retiro, tradicional reduto da colônia na região central. Microempresas se blindam com o isolamento desses bairros para quebrar qualquer garantia de direito aos trabalhadores, informa a Secretaria da Justiça e Proteção à Cidadania.
E.A., de 25 anos, nasceu em La Paz, cidade mais populosa da Bolívia, e está no Brasil há sete anos. Foi a parceria entre a Secretaria da Justiça e o Ministério do Emprego e Trabalho que o “libertou” do cargo de costureiro. A oficina onde ele trabalhava, no Jaçanã, na Zona Norte, faz parte de uma rede de 23 microempresas que trabalham para uma confecção coreana do Bom Retiro, descobertas em uma blitz feita nesta terça-feira.
O primeiro salário de E. foi de R$ 200 por mês. O último, de R$ 700. A carga horária sempre foi a mesma nas quatro oficinas em que trabalhou: 16 horas diárias. Outras 250 mil pessoas engrossam a triste estatística de bolivianos em situação irregular só em São Paulo. A maior parte delas, sem qualquer acesso à legislação do nosso país, está a mercê dos abusos de empresários inescrupulosos. “Sei que trabalho muito, mas preciso de dinheiro”, justifica o jovem E., que não se considera escravo, apesar da dor nas costas típica de quem trabalha 96  horas semanais (mais que o dobro do permitido pela lei brasileira).
“As oficinas na periferia são uma forma de pulverizar o serviço e desconstruir a responsabilidade da empresa-mãe”, explica Juliana Armede, coordenadora da Comissão para Erradicação do Trabalho Escravo em São Paulo. Grandes magazines também já foram citados em investigações da secretaria.
O foco do combate ao trabalho escravo agora vai na contramão da região central, onde o abuso a estrangeiros é conhecido. Zonas Norte, Leste, Sul, Guarulhos, Osasco, Presidente Prudente, Americana e Campinas estão na mira do poder público.
Fora da oficina, E. vai receber um auxílio desemprego. Sonha voltar para a Bolívia e comprar uma casa de R$ 25 mil. Em sete anos, ele já conseguiu  R$ 2 mil.
O triste é a falta de interesse da grande mídia neste assunto, acho que prefere o capital, o lucro dos patrocinadores no lugar da cidadania e dos direitos trabalhistas. São raras as matérias nestes “meios de comunicação”.
Reproduzo entrevista com Juliana Armede — Coordenadora da Comissão para Erradicação do Trabalho Escravo em São Paulo:
Por que o Brasil é um país tão atraente para trabalhadores estrangeiros?
O Brasil é conhecido por seu caráter acolhedor. Após anos de uma política internacional pesadíssima, até pessoas da Eritreia, no Chifre da África, vieram em busca de oportunidades no “país do futuro”.
Pessoas de quais nacionalidades são submetidas ao trabalho escravo no estado?
Depois dos bolivianos, que são a maioria, há incidência de paraguaios, peruanos e colombianos. Já tivemos contato com pessoas do Chile, Equador e Uruguai, mas os consulados desses países ainda não detectaram fluxos migratórios expressivos.
O estrangeiro encontrado em situação análoga de escravo é deportado imediatamente?
De forma alguma. Existe uma fiscalização e responsabilização para aqueles que submetem os trabalhadores a essa situação. Não existe deportação imediata, em especial com vítimas de trabalho escravo e tráfico de pessoas. Há a possibilidade de regularização no país.
Existe preconceito contra esses trabalhadores?
Certamente. O boliviano é estigmatizado como escravo no Brasil e essa é uma visão preconceituosa. Eles não aceitam.
Qual a maior dificuldade encontrada pela comissão?
Garantir ao estrangeiro o acesso aos seus direitos. Dar a eles o poder da informação e a possibilidade de viver de forma regular no Brasil. Só assim eles podem compreender também os seus deveres. Esse é o nosso maior gargalo, a tecla em que precisamos bater.
Dívidas fazem estrangeiros ‘reféns’ de seus aliciadores?
Ainda é obscura ao poder público a forma como os bolivianos entram no Brasil. Sabe-se que eles são obrigados a pagar aos intermediários as passagens de ida e volta, estadia e comida durante a viagem. O valor gira em torno de R$ 500, descontado pelo dono da oficina no pagamento do salário. Essa é uma forma de mantê-los reféns do trabalho escravo. A dívida é  “comprada” por outros donos de empresa, caso o trabalhador queira mudar de oficina. O Brasil vira destino dos sonhos para aqueles que têm parentes que moram aqui. São comuns relatos de que a situação em nosso país, apesar de considerada escrava, é melhor do que na Bolívia. As vagas também são oferecidas em cartazes ou por agenciadores em praças, mas o governo não sabe quem são eles.
Capital vai abrigar espaço para imigrantes.
Representantes dos consulados dos Estados Unidos, Espanha, Bolívia, Equador e Peru firmaram parceria com a Secretaria da Justiça para a criação de um espaço de apoio ao imigrante. O objetivo do projeto é prevenir o tráfico de pessoas às vésperas da Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil.
250.000 bolivianos irregulares trabalham no estado de São Paulo.
Aumentam denúncias recebidas?
A média de casos de tráfico de pessoas registrados pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania em São Paulo aumentou em 2012. Balanço divulgado pelo Núcleo de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas indica que o número de casos com resgate de vítimas deve passar de 20 este ano. O balanço foi levado à Brasília em junho.

Seis marcas de roupas, além da grife Zara, foram encontradas nas auditorias feitas pelo Ministério Público do Trabalho de Campinas para apurar a utilização de mão de obra análoga à escravidão nas oficinas de Americana, no interior de São Paulo, segundo a procuradora Fabíola Zani as marcas são: Ecko, Gregory, Billabong, Brooksfield, Cobra d’Água e Tyrol.

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