Em uma rádio de grande
audiência dedicada ao jornalismo, que vai ao ar no Rio e em São Paulo, todos os
dias às 8h da manhã há uma sessão de humor. Quinta-feira, 7 de março,
contaram piadas com muitas risadas sobre a morte do presidente venezuelano.
Esse é o tipo de
jornalismo e humor que ofendem os bons humoristas e profissionais da
comunicação. Duvido que fizessem essas piadas sobre a morte de seus milionários
patrões que enriquecem no mercado concentrado de comunicação. A indignação e o
repúdio ao desrespeito me levaram a coletar dados para explicar objetivamente
porque as elites brasileiras detestam Chávez.
Certos jornalistas e
humoristas não sabem o que o povo venezuelano sabe, sente e vive. Aliás, não
sabem nada nem sobre o povo brasileiro. Outro dia, um de seus amigos pediu
socorro para saber o significado de “povo, gente, emprego”. Mas o povo pobre da
Venezuela sabe o que ganhou com Chávez.
Em uma publicação da
ONU intitulada Habitat, lançada em agosto do ano passado, há números e gráficos
comparativos do “estado das cidades na América Latina e no Caribe”. O relatório
trata de muitos temas que interessam a pesquisadores, gestores e moradores de
grandes cidades. Seus números ajudam a entender também por que o povo da
Venezuela está nas ruas chorando por Chávez.
As análises contidas no
documento da ONU têm qualidade. São comparações internacionais que possuem
grande utilidade. Caracas e as cidades
da Venezuela apresentam números que despertam interesse:
1) Em 1999, a Venezuela
tinha 49% da sua população urbana em situação de pobreza e indigência. Em 2010,
este percentual foi reduzido para 28%.
2) Entre 26 cidades
selecionadas, o menor índice de Gini entre seus habitantes é o de Caracas, que
é inferior a 0,40. No Brasil, é 0,5. Este índice mede a desigualdade de renda.
3) Nas cidades da
Venezuela, mais de 80% das residências são ocupadas por seus proprietários. Na
Colômbia, este número é inferior a 50%. A Venezuela é a melhor neste quesito; a
Colômbia, a pior.
4) Na América Latina e
no Caribe, a proporção de população urbana que tem saneamento está entre 80 e
85%. Na Venezuela, está próxima de 95%. Na Venezuela, 90% da população urbana
recebem água encanada.
5) De 21 países
selecionados, a maior cobertura de coleta de lixo urbana ocorre na Venezuela. A
pior está no Paraguai.
6) Em 21 cidades
selecionadas, mostra-se que o gasto médio mensal de um usuário regular de
ônibus; em Caracas, é de 6% do salário mínimo. Em Buenos Aires, se gasta 5% e,
em São Paulo e no Rio de Janeiro, 12%.
São esses números que
os Jardins (em São Paulo) e o Leblon (no Rio) desconhecem. Nem fazem qualquer
esforço para conhecê-los. Preferem ser informados pelos veículos que trazem
conforto interno e energia para combater as possibilidades de mobilidade social
– seja aqui, seja na Venezuela. Sãos os mesmos veículos que fazem piada com a
dor do povo venezuelano.
O Brasil tem um ponto
em comum com a Venezuela: o brutal desequilíbrio social. Havia outro até data
recente, representado pela extraordinária semelhança entre a mídia venezuelana
e a brasileira, uma e outra a serviço da oligarquia e da treva, sempre e sempre
dispostas a inventar, omitir e mentir. Se hoje não há como alegar esta inglória
parecença, é porque Hugo Chávez, ao contrário do governo do Brasil, decidiu
enfrentar o inimigo.
No momento, mais da
metade dos órgãos de comunicação venezuelanos são públicos, o que permite
restabelecer um razoável equilíbrio entre as forças envolvidas nesta guerra. As
palavras guerra e inimigo estão longe de ser exageradas. O ataque ao governo de
Dilma Rousseff é feroz e diuturno, assim como foi a Lula e a Chávez. A mídia nativa,
aliás, continua na ofensiva contra o líder venezuelano e celebra sua morte como
se o odiado inimigo tivesse tombado no campo de batalha.
As razões são óbvias.
Chávez, como Lula e Dilma, mexeu com os interesses da minoria privilegiada. Há
diferenças entre o venezuelano e os brasileiros, ao contrário destes, aquele
recorreu a formas autoritárias de poder. Mesmo assim, tratou-se de um
formidável reformador e de um incentivador da unidade latino-americana a bem da
independência do subcontinente, enfim livre da condição de quintal dos Estados
Unidos.
Nem tudo na atuação de
Chávez merece admiração, mas seus méritos estão expostos à luz do sol. A nossa
mídia tratou Chaves como um déspota populista. A definição é tão imprópria
quanto foi batizar de “terrorista” quem lutou contra a ditadura civil-militar.
Populista porque nacionalista ao defender o petróleo de seu país como fez
Getúlio Vargas em 1952 ao criar a Petrobras? Ou populista porque condenou firme
e inexoravelmente o neoliberalismo?
Populista por ter
tirado da miséria uma larga fatia de venezuelanos, e por ter garantido
assistência médica e hospitalar a todos os concidadãos, e por ter erradicado o
analfabetismo. Tal é a linha da mídia nativa, exército dos barões. O jornalismo
há de se basear no respeito da verdade-factual, no exercício do espírito
crítico e na fiscalização do poder. Os barões midiáticos e seus regimentos
desrespeitam a verdade factual e submetem o espírito crítico aos seus dogmas e
preconceitos. (Carta Capital e Altamiro Borges).
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