Falcão e o Dr Roberto. Ao fundo, João Havelange |
Falta
um tema na variada agenda da Comissão Nacional da Verdade. Criada com a
finalidade de apurar as violações dos direitos humanos ela não incluiu na pauta
de trabalho a análise do papel da imprensa, como é feito com a Igreja, por
exemplo, durante a ditadura, tramada e sustentada por civis e militares.
A
imprensa foi arauto da trama golpista contra o presidente João Goulart. Sempre
conservadores, os “barões da mídia” brasileira agem sempre na fronteira do
reacionarismo. Apoiar golpes, por isso, não chega ser exatamente novidade.
Alardeiam o principio do liberalismo sem, no entanto, comprometer-se com a
democracia. Assim, promovem feitiços, como o de 1964, e tornam a própria
imprensa vítima da feitiçaria.
Patrões
e empregados são testemunhas importantes de uma história que precisa ser
passada a limpo. É necessário ir além do que já se sabe. Isso só ocorrerá com o
depoimento daqueles que viveram os episódios ou estiverem próximos deles.
A
ditadura “exerceu o terror de Estado e provocou medo na sociedade civil. Não há
indícios, porém, de que o medo fosse a razão do consentimento” que a imprensa
deu aos generais, como anota a cientista política Anne-Marie Smith, no livro
“Um acordo forçado”.
Ela
põe o dedo na ferida ainda aberta – “E se outros jornais tivessem protestado
quando o general Abreu proibiu qualquer publicidade do governo no Jornal do
Brasil em 1978?” – e se aproxima da resposta: “Os obstáculos à solidariedade
não foram criados, nem reforçados, nem explorados pelo regime. A falta de
solidariedade foi uma desvantagem gerada pela própria imprensa”.
Império
da mídia brasileira, o apoio do sistema O Globo à ditadura nunca foi negado,
embora hoje seja disfarçado. Uma das razões para esse comportamento passado,
que se encaixa na reflexão de Smith, encontra explicação no livro “Dossiê
Geisel”, de Celso Castro e Maria Celina D’Araujo.
No
governo Geisel, o ministro das Comunicações Euclides Quandt vetou novas
concessões ao nascente sistema Globo por receio de que Roberto Marinho chegasse
ao monopólio da opinião pública. Ele, então, foi ao ministro da Justiça,
Armando Falcão e falou “do constante apoio” que deu ao governo.
“Disse
também que o comportamento da Rede Globo deveria fazê-la merecedora de atenção
e favores especiais do governo”, registra o livro.
Marinho
apelou sem constrangimentos. Ameaçou vender a Rede Globo caso não tivesse apoio
para continuar a crescer. O resto da história todo mundo sabe.
A
mídia reage, hoje, ao projeto sobre a atualização das leis de comunicação com
argumento falso e insensato que o objetivo é o de censurar. No entanto, em
plena ditadura, adotou a inércia, o silêncio, diante dos atos concretos de
restrição à liberdade de escrever. Não de escrever sobre tudo, mas, somente
sobre certos assuntos como tortura e assassinato nos porões da ditadura. Essa é
a diferença em relação à genérica denúncia de restrição à festejada liberdade
de imprensa.
A
censura, nesse contexto, cumpria outro papel. Excluía a responsabilidade direta
dos donos da mídia e de muitos editores autoritários coniventes que sempre se
desculparam ao apontar a censura governamental como a razão do silêncio.
A
ditadura seria outra – talvez Ditabranda – contada a partir do que foi
publicado na ocasião.
Para
a imprensa conservadora, reacionária nos anos de chumbo, esse tema dói. É um
nervo exposto.
SUGESTÃO de LEITURA:
Ela foca seu trabalho nos grandes meios de comunicação nos tempos de ditadura cívico-militar-imperialista, com destaque para a Organizações Globo, o Grupo Folha e o jornal Folha da Tarde, Grupo Abril e outros, mas serve para entendermos os dias de hoje. Esta, inclusive, é a principal explicação do porque o livro quase não foi divulgado. Até agora, a grande imprensa ignorou este trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário