sábado, 13 de abril de 2013

Coreia do Norte: ‘paz impossível, guerra improvável’.


Apesar de fontes de inteligência dos EUA acreditarem que a Coreia do Norte não tenha a capacidade militar que faz questão de alardear, após lançamento de satélite em dezembro de 2012, o Conselho de Segurança da ONU, reafirmando as exigências das resoluções anteriores, aprovou nova resolução com o objetivo de afetar a capacidade de Pyongyang para adquirir componentes para seus programas bélicos. No entanto, apenas três semanas após a decisão da ONU, a Coreia do Norte realizou seu terceiro teste nuclear, ficando muito próxima de desenvolver uma ogiva nuclear pequena, mas suficiente para armar qualquer um dos tipos de mísseis que possui.
A partir daí, assistimos a uma progressiva escalada de tensões com declarações contundentes e surpreendentes por parte do presidente Kim Jong Um, chegando mesmo a dizer que poderia realizar um ataque nuclear contra os EUA. Além de aumentar a pressão sobre a Coreia do Norte, na ONU, os EUA intensificaram seus exercícios militares com a Coreia do Sul, enviando bombardeiros B-2 com capacidade para ataque nuclear. Em discurso proferido no Pentágono, o secretario de Defesa, Leon Panetta, disse que os EUA devem estar em permanente estado de alerta, pois são continuamente ameaçados por ‘Rogue States’ (Estados párias) como o Irã e a Coreia do Norte.
Quão real é a possibilidade de um ataque nuclear? É possível dizer que o Irã ou a Coreia do Norte são mais propensos a usar armas nucleares que os outros poderes nucleares? É possível construir um argumento convincente capaz de explicar por que Irã e Coreia do Norte são “racionais”, em termos da busca de seus interesses nacionais, e “irracionais” quando se trata do uso de armas nucleares?
Creio que o conceito de Rogue State é chave para compreendermos melhor a crise atual, bem como as estratégias norte-americanas para lidar com o tema da proliferação nuclear após o final da Guerra Fria. No início dos anos 90 o Pentágono fazia a avaliação de que a doutrina da dissuasão que funcionou tão bem contra as ameaças do século 20, já não seria adequada em relação aos “Estados Párias”, que são atores que não têm atitudes previsíveis, ou lógicas, como os antigos líderes soviéticos ou chineses. A dissuasão funcionou no passado porque os EUA compreendiam muito bem aqueles que queriam dissuadir, mas a dificuldade de compreensão mútua entre os EUA e a Coreia do Norte, Iraque ou Irã tornava os tradicionais mecanismos da contenção e da dissuasão pouco efetivos para impedir um atacar. O documento da Doutrina de Segurança Nacional dos EUA (2002), elaborado sob o impacto dos atentados do dia 11 de Setembro, veio apenas reafirmar a percepção das ameaças dos Rogue States, levando-a às últimas consequências e justificando a necessidade de novas respostas que tivessem como fundamento principal a seguinte concepção: não esperar “que as ameaças se concretizem” e agir antecipadamente (‘preemptive attack’). Nas palavras do ex-vice-presidente dos EUA, Cheney, trata-se de um inimigo bem equipado, com antecedentes de agressividade e de desprezo por qualquer população ou território. Enfim, um inimigo que "não poderia ser dissuadido, contido ou apaziguado”.
Mas não poderíamos pensar na hipótese de que a estratégia de dissuasão funcionou tanto para Irã, como para Iraque de Saddam Hussein, quanto para a Coreia do Norte, tendo falhado apenas nos momentos em que os EUA não a aplicaram corretamente, como em 1950 (guerra da Coreia), e 1990 (Guerra do Golfo)? Os critérios de “racionalidade” aplicados a Estados como a Coreia do Norte e o Irã não são muito mais rigorosos - e deturpados - do que aqueles que são aplicados à maioria do outros Estados, como Israel, India e Paquistão, por exemplo? Pensadores do ‘mainstream’ das relações internacionais nos EUA – mas, atualmente muito criticados nesse tema - Kenneth Waltz e John Mearsheimer, já escreveram artigos e livros argumentando que a dissuasão nuclear em nível global (EUA, Rússia, China, Inglaterra e França) e regional (Índia e Paquistão, sobretudo) impediu, com sucesso, a ocorrência de conflitos armados (com armas convencionais ou nucleares). Chegaram até a sugerir que a melhor maneira de manter um equilíbrio de poder estável e impedir qualquer estado de usar armas nucleares é promover a proliferação, em vez de tentar limitá-la. Os professores apontam para o fato que desde 1945 apareceram várias potências nucleares com regimes políticos diversos, mas nenhum deles chegou a usar armas nucleares. Claro, com exceção da democracia norte-americana!
É crível supor que Kim Jong-Un e os seus conselheiros militares sejam loucos? Que eles não têm conhecimento de que a guerra contra os EUA significaria certamente a destruição do seu próprio país? Ou eles sabem exatamente do que se trata e são “Estadistas Suicidas” que querem destruir seus próprios Estados?
O ex-ministro das relações exteriores da Coreia do Sul, Yoon Young-kwan, (2003-2004) se lembra de ter tido imensas dificuldades “para convencer os legisladores da administração Bush a negociarem com a Coreia do Norte, em vez de meramente aplicar pressão e esperarem que o Norte capitulasse”. De fato, aos olhos dos líderes políticos do Ocidente (incluindo os Japoneses), argumenta o ex-ministro, a Coreia do Norte sempre foi vista como um país pequeno e marginal, cujos problemas econômicos a situavam no limite da desintegração. Os líderes das grandes potências preferiram não se incomodar com a Coreia do Norte e por isso reagiam de modo ‘ad hoc’ sempre que esta criava um problema de segurança. Isso mudou apenas a partir do momento em que se constatou o aumento da sua capacidade balística. Em abril de 1992, quando a Coreia do Norte enfrentava sérios problemas econômicos e sociais, o presidente Kim expressou claramente um desejo de estabelecer relações diplomáticas com os EUA a Coreia do Sul, os quais se recusaram, pois esperavam simplesmente o país se desintegrasse (Realism on North Korea, project-syndicate Apr. 1, 2013)
O fato é que desde a guerra do golfo em 1990, com o início daquilo que alguns chegaram de denominar de Mundo Unipolar, os EUA cultivam a crença de que quando atacam ou ameaçam atacar um inimigo, todo o sistema de Estados compreenderia os custos de se opor aos seus objetivos. Como consequência, temendo ser o próximo alvo, esses atores se dobrariam a vontade dos norte-americanos (‘bandwagoning’). Referindo-se à decisão da Líbia de abandonar seus programas de armas de destruição em massa e de admitir as inspeções internacionais em 2004, o então secretario de Defesa dos EUA, Rumsfeld, observava que “estas novidades (guerras do Afeganistão e Iraque) demonstram que o que temos fazendo é estrategicamente sólido, além de moralmente correto” .
Essa é única possibilidade de ação racional (‘bandwagoning’) admitida pelos EUA para a conversão dos Rogue States. Não poderíamos formular outras hipóteses para a atitude da Coreia do Norte, como mais uma tentativa de angariar apoio interno por meio da exacerbação da retorica do inimigo externo? Ou ainda, a tática de dar a impressão de que é capaz de fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos, incluindo até mesmo o uso de armas nucleares, na esperança de ganhar concessões na mesa de negociação? Membros do governo norte-americano reclamam que a Coreia do Norte age constantemente de forma ambígua ou contraditória, falando em pacificação, ao mesmo tempo em que eleva o tom belicoso em suas declarações. Ora, sem entrar no mérito da questão, emitir mensagens ambíguas não é próprio daquilo que denominamos de dissuasão? Os dirigentes da Coreia do Norte não estariam apostando no fato de que é possível atingir o status alcançado por Israel, Índia e Paquistão na questão nuclear?
Não seria, isso sim, uma atitude típica de Rogue State excluir todas as hipóteses possíveis que mencionamos acima e adotar apenas aquela que parece ser a menos provável: a de que Kim Jong realmente quer provocar uma guerra nuclear?
Creio que a célebre frase do pensador francês Raymond Aron, que definiu como ninguém a situação dos poderes nucleares durante a Guerra Fria, continua atual: “paz impossível, guerra improvável”. (Carta Maior)

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