Desnecessário
lembrar que a grande mídia ainda exerce, na prática, o controle do acesso ao
debate público, vale dizer, das vozes que se expressam e são ouvidas, vozes de
partidos de direita ou de uma elite preconceituosa.
Além
disso, a cultura política que vem sendo construída e consolidada no Brasil,
pelo menos desde que a televisão se transformou em “mídia de massa” hegemônica,
tem sido de desqualificação permanente da política e dos políticos. E é no
contexto dessa cultura política que as novas gerações estão sendo formadas –
mesmo não se utilizando diretamente da velha mídia.
A
população é sujeita à, respectivamente, novela das seis, jornal local, novela
das oito e, por fim, a algum reality show ou programa de comédia tendenciosa,
isso temperada por muita violência. Os telejornais, jornais e determinadas
revistas condicionam as notícias como querem, as pessoas ficam absorvidas com
uma realidade que não diz respeito ao seu dia-a-dia.
Boa
parte da programação televisiva é de um grau de mediocridade abominável,
agradando aos mais baixos padrões de moralidade e de inteligência. Tudo em nome
da audiência e de faturamento ascendentes. Os telespectadores que se danem e
consumam o lixo cultural que está sendo oferecido diariamente. Violência,
consumismo, perda do senso crítico e ético.
Para
a grande mídia e seus controladores e realizadores, que são os grandes
conglomerados capitalistas, a democracia é sempre um risco. Assim, o medo de
quem tem bilhões de dólares em paraísos fiscais ou milhões de hectares, imóveis
e empresas deve ser transferido para a classe média, que tem alguns imóveis,
uma fazenda, uma indústria média etc. Nesses últimos 20 anos, essa mídia fez
esse serviço sujo. Transferir o medo dos privilegiados e bilionários para a
classe média, alimentando a repetição da trágica história golpista de 64 e do
período pós-segunda guerra. E teve certo sucesso. Tem-se hoje uma parte da
classe média imbecilizada e amedrontada com os avanços da democracia
brasileira.
Nas
últimas duas décadas, a revista Veja manteve um ataque constante à inteligência
da classe média brasileira. Nos primeiros anos de democracia, esse ataque não
foi tão intenso, visto que o governo de FHC representava a presença de um
aliado civil na presidência da República e havia também, ainda hoje, o controle
do governo paulista com o PSDB, que mantém a compra desse panfleto para as
escolas públicas.
O
mote ideológico, que se tornou redundante na revista Veja, Globo, Band, Folha,
Estadão e outros, é o do pensamento binário que sustentou o golpe militar de 64
e também todos os golpes nos últimos 50 anos na América Latina, como bem mostra
o jornalista australiano John Pilger, em Guerra contra a Democracia. Dos anos
90 para cá, a mídia se tornou a porta bandeira da imbecilização da classe
média, aterrorizando os leitores com o fantasma do comunismo, do petismo, etc.
Millôr
Fernandes em 2006: “A imprensa brasileira sempre foi canalha. Eu acredito que
se a imprensa brasileira fosse um pouco melhor poderia ter uma influência
realmente maravilhosa sobre o País. Acho que uma das grandes culpadas das
condições do País, mais do que as forças que o dominam politicamente, é nossa
imprensa. Repito, apesar de toda a evolução, nossa imprensa é lamentavelmente
ruim. E não quero falar da televisão, que já nasceu pusilânime”.
Assim,
toda a crítica à selvageria do capitalismo, toda violência perpetrada por leis
e manobras jurídicas, toda a violência policial ou midiática passou a ser
interpretada como uma crítica comunista, petista, petralha etc. Qualquer pessoa
que questione a desigualdade, a desonestidade e as práticas violentas do cruel
sistema tornou-se necessariamente um “norte-coreano” infiltrado na sociedade
brasileira.
JOSEPH
PULITZER ( 1847 - 1911 ) "Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária,
demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma".
Prof.
Andrew Oitke, (catedrático de Antropologia em Harvard) "A imprensa deixou
há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular."
Independentemente
das inúmeras e verdadeiras razões que justificam a expressão democrática de uma
insatisfação generalizada por parte de parcela importante da população
brasileira, não se pode ignorar o papel da grande mídia na construção dessa
cultura política que desqualifica sistematicamente a política e os políticos. E
mais importante: não se pode ignorar os riscos potenciais para o regime
democrático da prevalência dessa cultura política. È sempre bom lembrar que
existem várias versões de um mesmo fato ou acontecimento, e a grande mídia tem
sistematicamente dado uma versão tendenciosa e desfocada da realidade, versão
essa que pode ter sido o estopim desses gigantescos movimentos.