segunda-feira, 15 de setembro de 2014

BLOCO EUROPEU REATIVA OS NACIONALISMOS REGIONAIS E ÉTNICOS.

No primeiro dia de julho, a Croácia se tornará o 28º integrante da União Europeia. O processo de incorporação do país balcânico, que até 2001 fazia parte da antiga Iugoslávia, iniciou-se em 2003 e arrastou-se ao sabor dos ajustes dos critérios de adesão impostos pelo bloco. O Parlamento Europeu aprovou a entrada do país em dezembro de 2011. Em referendo, realizado no mês seguinte, cerca de dois terços dos eleitores croatas votaram pela adesão.
O tratado da União Europeia estabelece que qualquer país do continente pode se candidatar à entrada no bloco, desde que respeite seus valores democráticos e se comprometa a promovê-los. Em linhas gerais, os critérios de adesão estão ligados a aspectos políticos, econômicos e jurídicos. No âmbito político, a União Europeia estabelece que o país candidato tenha instituições capazes de garantir a democracia, o Estado de direito e o respeito aos direitos humanos. No plano econômico, o candidato deverá ter uma economia de mercado e contas públicas estáveis. Por fim, juridicamente, deverá se enquadrar na legislação do bloco no que se refere aos objetivos da união política, econômica e monetária.
Desde 1957, quando foi criada a Comunidade Europeia, embrião do bloco atual, os países-membros definiram dois grandes objetivos. O primeiro era o de aprofundar o relacionamento entre si, e o segundo, o de ampliar o número de seus integrantes. A integração vertical conheceu um forte avanço em 1992, quando o Tratado de Roma, documento básico original do bloco, foi substituído pelo Tratado de Maastricht – que, entre outros aspectos, definiu a adoção de uma moeda comum, que hoje circula em 16
países da União Europeia.
A ampliação do número de membros foi gradativa, a partir do núcleo original formado pelos signatários do Tratado de Roma (França, Alemanha Ocidental, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo). No início da década de 1970, Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca foram incorporadas ao bloco. Na década seguinte, foi a vez de Portugal, Espanha e Grécia, a “periferia mediterrânica”. Nos anos 1990, ingressaram a Áustria, a Suécia e a Finlândia.

Com a queda do Muro de Berlim e o encerramento da Guerra Fria, o alargamento deu um grande salto. Em 2004, dez países foram incorporados, incluindo nações que haviam pertencido ao bloco soviético da Europa oriental (Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia), as três repúblicas bálticas da antiga União Soviética (Estônia, Letônia e Lituânia), a antiga república iugoslava da Eslovênia, além dos pequenos Estados insulares de Chipre e Malta que, até 1960, eram colônias britânicas. Três anos mais tarde, ingressaram a Romênia e a Bulgária, antigos satélites soviéticos. Meio século depois, a Europa dos Seis de 1957 se transformou na Europa dos 27 (veja o mapa 1).
Atualmente, cinco países – Turquia, Islândia, Sérvia, Macedônia e Montenegro – têm o estatuto de candidatos oficiais à adesão à União Europeia. É provável que a Islândia seja a próxima candidata aprovada, já em 2014. Sérvia, Macedônia e Montenegro, que, como a Croácia, fizeram parte da Iugoslávia, podem ser incorporadas entre 2015 e 2017.
O caso da Turquia é mais complicado. Há quatro décadas, o país apresentou sua candidatura. De lá para cá, alegações geográficas, históricas e culturais têm sido utilizadas para justificar a recusa da União Europeia em admitir a Turquia. No fundo, as resistências decorrem de uma circunstância cultural e religiosa: o país muçulmano não faria parte da “civilização europeia”. Com cerca de 75 milhões de habitantes, a Turquia seria o país mais populoso do bloco tendo, por conseguinte, o maior número de representantes nas instituições da União Europeia.
O bloco europeu funciona como moldura geopolítica e econômica capaz de viabilizar a existência de pequenas nações relativamente ricas no sistema internacional da “era da globalização”. A perspectiva de ingresso na União Europeia, com suas instituições supranacionais, seu mercado unificado e sua moeda comum, oferece horizontes para os pequenos países oriundos da implosão da antiga Iugoslávia. O mesmo fator, contudo, reativa nacionalismos étnicos tradicionais em países da Europa ocidental. No contexto da crise econômica que se desenvolve na Europa desde 2009, movimentos separatistas ganharam alento na Catalunha, na Espanha, na região belga de Flandres e na Escócia.
A Catalunha é uma das 17 comunidades autônomas que dividem a Espanha (veja o mapa 2). A economia catalã gera pouco mais de 20% do PIB espanhol e o PIB per capita regional é o maior do país. Os velhos ideais separatistas catalães reemergiram sob a forma de uma disputa fiscal entre o governo regional e o governo nacional. Os nacionalistas catalães, organizados em partidos de centro e de esquerda que têm maioria no parlamento regional, contestam o sistema de distribuição de tributos e acusam Madri de “explorar” a Catalunha. O governo da região promete realizar um plebiscito sobre a independência, algo que violaria a Constituição espanhola.

Na Escócia, ao menos superficialmente, desenrola-se processo similar. Os nacionalistas escoceses pretendem promover um referendo sobre a independência em outubro de 2014. O paralelo com a Catalunha, contudo, não é inteiramente adequado, pois a Escócia é definida como uma das nações constitutivas da Grã-Bretanha, e a legislação britânica admite a hipótese da separação, que exigiria apenas uma nítida manifestação da vontade majoritária dos escoceses.
A União Europeia funciona como o grande argumento dos líderes separatistas. Quase todos eles sugerem aos potenciais eleitores que, uma vez independentes, os novos países se integrariam, automaticamente, ao bloco europeu. As coisas, porém, são bem mais complicadas. Segundo os tratados da União Europeia, no caso da fragmentação de Estados, apenas os “Estados sucessores” conservariam o estatuto de membros do bloco. A Espanha permaneceria na União Europeia após uma hipotética secessão catalã, assim como a Grã-Bretanha depois de uma separação escocesa. Mas Catalunha, Escócia ou Flandres teriam que solicitar adesão e enfrentar o mesmo processo de candidatura pelo qual passou a Croácia.

(Este texto foi publicado originalmente na edição de número 2 do jornal Mundo – abril de 2013 –, página 9)


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