O
mais forte ciclo do fenômeno climático El Niño registrado até o momento deverá
aumentar os riscos de fome e doenças para milhões de pessoas em 2016, alertam
organizações humanitárias. Segundo previsões, o El Niño deverá exacerbar secas
em algumas áreas e acentuar inundações em outras.
Algumas das áreas mais
afetadas estão no continente africano, onde a escassez de comida poderá atingir
seu pico em fevereiro. Partes do Caribe e das Américas Central e do Sul também
deverão ser atingidas nos próximos seis meses.
Especialistas descrevem
o El Niño como um fenômeno climático que envolve o aquecimento incomum das
águas superficiais e sub-superficiais do Oceano Pacífico Equatorial. Suas
causas ainda não são bem conhecidas.
Após analisar imagens
de satélite, a Nasa (agência espacial americana) afirma que o El Niño de
2015-2016 poderá ser comparado ao que muitos chamaram de "fenômeno
monstruoso" de 18 anos atrás.
"Sem dúvida são
muito parecidos. Os fenômenos (El Niño) de 1982-1983 e 1997-1998 foram os de
maior impacto no século passado, e parece que agora vemos uma repetição",
disse William Patzert, especialista em clima do Laboratório de Propulsão a Jato
da Nasa (JPL, na sigla em inglês) e um dos mais importantes estudiosos do El
Niño dos EUA. O pesquisador afirmou ainda que é "quase fato que os
impactos serão enormes".
Satélites da NASA mostraram que temperatura do Oceano Pacífico em dezembro de 2015 é semelhante à registrada em 1997, ano em que o El Niño também foi forte |
Esse evento periódico,
que tende a elevar temperaturas globais e alterar padrões climáticos, ajudou
2015 a bater o recorde de ano mais quente da história. "De acordo com
certas medições, esse já foi o El Niño mais forte registrado. Depende da
maneira como você mede", disse o cientista Nick Klingaman, da Universidade
de Reading, na Inglaterra.
As secas e inundações,
e o impacto potencial que representam, preocupam as agências de ajuda
humanitária. Cerca de 31 milhões de pessoas estão sob risco de escassez de
alimentos na África – um aumento significativo em relação a 2014. Cerca de um
terço dessas pessoas vive na Etiópia, país em que 10,2 milhões de pessoas
deverão demandar assistência em 2016, segundo previsões.
El
Niño
O fenômeno climático El
Niño faz com que águas quentes do Pacífico central se espalhem na direção das
Américas do Norte e do Sul.
Ele foi observado por
pescadores na costa da América do Sul por volta de 1600, quando as águas do
Oceano Pacífico ficaram estranhamente quentes. O nome, El Niño, é uma referência
ao menino Jesus.
O El Niño acontece em
intervalos entre dois e sete anos, normalmente atingindo seu pico no final do
ano – embora seus efeitos possam persistir até os três primeiros meses do ano seguinte
e durar de 12 a 18 meses.
O atual El Niño é o
mais forte registrado desde 1998 e, segundo os especialistas, deve ficar entre
os três mais poderosos de que se tem conhecimento. Segundo a World Water
Organization (WWO), nos três meses de pico, médias de temperatura na superfície
das águas do Pacífico tropical devem ficar mais de 2ºC acima do normal.
Um forte El Niño
ocorrido há cinco anos estava ligado a chuvas de monções fracas no sudeste da
Ásia, secas no sul da Austrália, das Filipinas e do Equador, nevascas nos
Estados Unidos, ondas de calor no Brasil e enchentes no México.
Segundo William
Patzert, o fenômeno tem causado a forte seca no nordeste brasileiro, enquanto
que no sul do Brasil e norte da Argentina são registradas inundações. A
combinação do aquecimento global com a intensidade do fenômeno esse ano deve
fazer com que esse verão seja um dos mais quentes de todos os tempos no Brasil,
com as temperaturas ultrapassando facilmente os 40ºC por vários dias seguidos
em locais como Rio de Janeiro, Piauí e Tocantins.
Alerta
Segundo a ONU, cerca de
60 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas por causa de
conflitos. Organizações humanitárias como a Oxfam, por exemplo, estão
preocupadas com o impacto adicional que o fenômeno climático possa provocar,
tendo em vista as pressões provocadas pelos conflitos na Síria, no Sudão do Sul
e no Iêmen.
As agências dizem que a
falta de comida deve atingir seu ponto crítico no Sul da África em fevereiro.
No Malauí, autoridades calculam que quase três milhões de pessoas irão precisar
de assistência antes de março.
Secas e chuvas
erráticas afetaram dois milhões de pessoas em Guatemala, Honduras, El Salvador
e Nicarágua. Há previsões de mais inundações na América Central em janeiro.
"Milhões de
pessoas em lugares como Etiópia, Haiti e Papua Nova Guiné já estão sentindo os
efeitos da seca e das perdas de lavouras", disse Jane Cocking, da Oxfam.
"Precisamos
urgentemente levar assistência a essas áreas para assegurar que as pessoas
tenham água e alimentos suficientes. Não podemos permitir que outras situações
de emergência ocorram em outras áreas. Se o mundo ficar esperando para
responder às crises emergindo no sul da África e na América Latina, não teremos
como atender à demanda", acrescentou.
Efeito
inverso
Se por um lado os
efeitos de El Niño serão sentidos de forma mais aguda nos países em
desenvolvimento, no mundo desenvolvido o impacto será sentido nos preços de
alimentos.
"Leva algum tempo
para que o impacto do El Niño seja sentido nos sistemas sociais e
econômicos", disse Klingaman.
"A tendência,
historicamente, é que preços subam entre 5 e 10% para alimentos básicos.
Lavouras de café, arroz, cacau e açúcar tendem a ser particularmente
afetadas."
O El Niño deve terminar
por volta do outono no hemisfério sul (primavera no norte). Mas o fim desse
ciclo não é boa notícia tão pouco: esse fenômeno climático tende a ser sucedido
pelo seu reverso – ou seja, eventos climáticos conhecidos como La Niña, que
podem trazer efeitos opostos mas igualmente danosos.
Segundo cientistas,
durante o El Niño ocorre uma imensa transferência de calor do oceano para a
atmosfera. Normalmente, como aconteceu no ciclo de 1997/98, essa transferência
de calor tende a ser seguida por um resfriamento do oceano – o evento La Niña.
"É possível – mas
não estamos certos – que nesse período no ano que vem estejamos falando sobre o
reverso de muitos desses impactos", explicou Klingaman.
"Em países onde El
Niño trouxe secas, pode haver inundações trazidas por La Niña no ano que vem. É
tão devastador quanto – porém, na direção inversa."
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