Bairros pobres, longe
de fiscalização, abrigam oficinas onde estrangeiros têm jornada de até 18
horas/dia. Para fugir da fiscalização, oficinas de costura onde bolivianos
trabalham até 18 horas por dia em troca de um salário de fome se espalharam
pela periferia da capital, não ficando apenas no Bom Retiro, tradicional reduto
da colônia na região central. Microempresas se blindam com o isolamento desses
bairros para quebrar qualquer garantia de direito aos trabalhadores, informa a
Secretaria da Justiça e Proteção à Cidadania.
E.A., de 25 anos,
nasceu em La Paz, cidade mais populosa da Bolívia, e está no Brasil há sete
anos. Foi a parceria entre a Secretaria da Justiça e o Ministério do Emprego e
Trabalho que o “libertou” do cargo de costureiro. A oficina onde ele
trabalhava, no Jaçanã, na Zona Norte, faz parte de uma rede de 23 microempresas
que trabalham para uma confecção coreana do Bom Retiro, descobertas em uma
blitz feita nesta terça-feira.
O primeiro salário de
E. foi de R$ 200 por mês. O último, de R$ 700. A carga horária sempre foi a
mesma nas quatro oficinas em que trabalhou: 16 horas diárias. Outras 250 mil
pessoas engrossam a triste estatística de bolivianos em situação irregular só
em São Paulo. A maior parte delas, sem qualquer acesso à legislação do nosso
país, está a mercê dos abusos de empresários inescrupulosos. “Sei que trabalho
muito, mas preciso de dinheiro”, justifica o jovem E., que não se considera
escravo, apesar da dor nas costas típica de quem trabalha 96 horas semanais (mais que o dobro do permitido
pela lei brasileira).
“As oficinas na
periferia são uma forma de pulverizar o serviço e desconstruir a
responsabilidade da empresa-mãe”, explica Juliana Armede, coordenadora da
Comissão para Erradicação do Trabalho Escravo em São Paulo. Grandes magazines
também já foram citados em investigações da secretaria.
O foco do combate ao
trabalho escravo agora vai na contramão da região central, onde o abuso a
estrangeiros é conhecido. Zonas Norte, Leste, Sul, Guarulhos, Osasco,
Presidente Prudente, Americana e Campinas estão na mira do poder público.
Fora da oficina, E. vai
receber um auxílio desemprego. Sonha voltar para a Bolívia e comprar uma casa
de R$ 25 mil. Em sete anos, ele já conseguiu
R$ 2 mil.
O triste é a falta de
interesse da grande mídia neste assunto, acho que prefere o capital, o lucro
dos patrocinadores no lugar da cidadania e dos direitos trabalhistas. São raras
as matérias nestes “meios de comunicação”.
Reproduzo entrevista
com Juliana Armede — Coordenadora da Comissão para Erradicação do Trabalho
Escravo em São Paulo:
Por
que o Brasil é um país tão atraente para trabalhadores estrangeiros?
O Brasil é conhecido
por seu caráter acolhedor. Após anos de uma política internacional pesadíssima,
até pessoas da Eritreia, no Chifre da África, vieram em busca de oportunidades
no “país do futuro”.
Pessoas
de quais nacionalidades são submetidas ao trabalho escravo no estado?
Depois dos bolivianos,
que são a maioria, há incidência de paraguaios, peruanos e colombianos. Já
tivemos contato com pessoas do Chile, Equador e Uruguai, mas os consulados
desses países ainda não detectaram fluxos migratórios expressivos.
O
estrangeiro encontrado em situação análoga de escravo é deportado
imediatamente?
De forma alguma. Existe
uma fiscalização e responsabilização para aqueles que submetem os trabalhadores
a essa situação. Não existe deportação imediata, em especial com vítimas de
trabalho escravo e tráfico de pessoas. Há a possibilidade de regularização no
país.
Existe
preconceito contra esses trabalhadores?
Certamente. O boliviano
é estigmatizado como escravo no Brasil e essa é uma visão preconceituosa. Eles
não aceitam.
Qual
a maior dificuldade encontrada pela comissão?
Garantir ao estrangeiro
o acesso aos seus direitos. Dar a eles o poder da informação e a possibilidade
de viver de forma regular no Brasil. Só assim eles podem compreender também os
seus deveres. Esse é o nosso maior gargalo, a tecla em que precisamos bater.
Dívidas
fazem estrangeiros ‘reféns’ de seus aliciadores?
Ainda é obscura ao
poder público a forma como os bolivianos entram no Brasil. Sabe-se que eles são
obrigados a pagar aos intermediários as passagens de ida e volta, estadia e
comida durante a viagem. O valor gira em torno de R$ 500, descontado pelo dono
da oficina no pagamento do salário. Essa é uma forma de mantê-los reféns do
trabalho escravo. A dívida é “comprada”
por outros donos de empresa, caso o trabalhador queira mudar de oficina. O
Brasil vira destino dos sonhos para aqueles que têm parentes que moram aqui.
São comuns relatos de que a situação em nosso país, apesar de considerada
escrava, é melhor do que na Bolívia. As vagas também são oferecidas em cartazes
ou por agenciadores em praças, mas o governo não sabe quem são eles.
Capital
vai abrigar espaço para imigrantes.
Representantes dos
consulados dos Estados Unidos, Espanha, Bolívia, Equador e Peru firmaram
parceria com a Secretaria da Justiça para a criação de um espaço de apoio ao
imigrante. O objetivo do projeto é prevenir o tráfico de pessoas às vésperas da
Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil.
250.000 bolivianos
irregulares trabalham no estado de São Paulo.
Aumentam
denúncias recebidas?
A média de casos de
tráfico de pessoas registrados pela Secretaria da Justiça e da Defesa da
Cidadania em São Paulo aumentou em 2012. Balanço divulgado pelo Núcleo de
Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas indica que o número de casos
com resgate de vítimas deve passar de 20 este ano. O balanço foi levado à
Brasília em junho.
Seis marcas de roupas, além da grife Zara, foram encontradas nas
auditorias feitas pelo Ministério Público do Trabalho de Campinas para apurar a
utilização de mão de obra análoga à escravidão nas oficinas de Americana, no
interior de São Paulo, segundo a procuradora Fabíola Zani as marcas são: Ecko,
Gregory, Billabong, Brooksfield, Cobra d’Água e Tyrol.